Lamentável, lúgubre, mesquinha, profundamente sectária, pobre de espírito e perversa mesmo a escolha de exibir em horário nobre da sua TV aberta uma novela como "Viver a Vida" que trata com tanta indignidade a vida de milhões de meninas e mulheres anônimas que se vêem diante da realidade de praticar um aborto, ou assumir a responsabilidade por uma criança neste mundo (e cuidá-la vida a fora). Só retrata e reforça, sem compaixão ou tolerância, a humilhação por que passam estas mulheres, pois ignora o contexto injusto, massacrando as suas histórias de vida para reanimar o fundamentalismo e os lobby junto aos parlamentos e ao Supremo que historicamente têm atuado para impedir avanços democráticos nesse país.
Lena Souza
Membro da Rede Feminista de Saúde – Regional Bahia e do IMAIS
"A história humana não se desenrola apenas
nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais.
Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas,
nas ruas de subúrbio, nas casas de jogos, nos prostíbulos,
nos colégios, nas usinas, nos namoros nas esquinas.
Disso eu quis fazer a minha poesia.
Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada
porque o canto não pode ser uma traição à vida,
e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas
e as coisas que não têm voz"
(Ferreira Goulart)
Lamentável, lúgubre, mesquinha, profundamente sectária, pobre de espírito e perversa mesmo a escolha de exibir em horário nobre da sua TV aberta uma novela como "Viver a Vida" que trata com tanta indignidade a vida de milhões de meninas e mulheres anônimas que se vêem diante da realidade de praticar um aborto, ou assumir a responsabilidade por uma criança neste mundo (e cuidá-la vida a fora). Só retrata e reforça, sem compaixão ou tolerância, a humilhação por que passam estas mulheres, pois ignora o contexto injusto, massacrando as suas histórias de vida para reanimar o fundamentalismo e os lobby junto aos parlamentos e ao Supremo que historicamente têm atuado para impedir avanços democráticos nesse país.
Surpreendente, mais ainda no nosso país onde, apesar da Constituição e das leis, a maioria das empresas recusam trabalho a uma mulher por estar grávida e por ter filhos pequenos, e/ou criam obstáculos à ascenção profissional e de remuneração, pelos mesmos motivos; onde só correm risco de vida as de baixa escolaridade, as da economia informal, pobres, trabalhadoras domésticas, ambulantes, negras principalmente (como a Helena de Manoel Carlos).
Ainda que rica, tinha que ser negra essa personagem, como é quase a totalidade das que se submetem ao aborto inseguro e ao desrespeito e humilhação dos manoéis carlos e suas terezas (grande e talentosa Lilian Cabral!) interiorizados em médicos e outros profissionais que atendem cotidianamente as mulheres em situação de aborto nas unidades de saúde pública). São as mesmas que não alcançam contracepção segura e gratuita, que perdem filhos nascidos ou por nascer por falta de cuidados médicos, de leitos hospitalares na hora de parir, ou de UTIs para recém nascidos, e até por causa de uma diarréia.
Vivemos num país onde creche e pré-escola de qualidade são privilégios, num mundo onde a maioria já estende às mulheres o direito que todos têm ao próprio corpo e, assim, deixa a elas a responsabilidade de decidir sobre levar adiante ou interromper uma gravidez. Enquanto aqui (nos países latino-americanos e africanos em geral) morrem muitas mulheres por aborto, na maior parte dos países os óbitos pela mesma causa são raridade.
Agora, certamente a Helena, já castigada, "pecadora" e "assassina", vai ter um bebê de Marcos e tantos quanto venham, e será feliz para sempre. Só falta pintar na novela um bebê resultante de estupro, e com anencefalia. Lamentável. A nossa Dina Sfat de onde estiver seguramente está pasma. Duvido que não manifestasse publicamente a sua indignação.
fonte: CCR – http://www.ccr.org.br/a_destaque_jogorapido261109-lena.asp