Luciana Lima, da Agência Brasil
A advogada, socióloga e diretora da organização não governamental Justiça Global, Sandra Carvalho, é a primeira brasileira a receber o Prêmio Anual de Direitos Humanos da Human Rights First (HRF). A homenagem ocorreu na quinta-feira última (22/10), em Nova York. O prêmio da HRF é concedido desde 1986 a pessoas que se destacam na “luta pela igualdade e pela liberdade de pensamento, de expressão e pela liberdade religiosa em suas sociedades”.
Entre as personalidades que já receberam a homenagem estão o ex-senador norte-americano Edward Kennedy, as ativistas paquistanesas Asma Jahangir e Hina Jilani, que ocupam altos cargos na ONU, e a ex-presidente da Irlanda Mary Robinson, que foi também alta-comissária de direitos humanos das Nações Unidas. Neste ano, também recebeu a homenagem o ativista Principe Gabriel Gonzalez, que atua na defesa dos direitos de presos políticos na Colômbia. A cerimônia de premiação foi no Chelsea Piers, um centro de convenções na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Ao receber a homenagem, Sandra chamou a atenção para as violações de direitos humanos que continuam a ocorrer no Brasil. “Esse prêmio veio em um momento muito importante porque ele também é uma oportunidade para se discutir e dar visibilidade em âmbito internacional para as violações de direitos humanos que continuam ocorrendo no Brasil”, disse.
“O Brasil tem sido reconhecido pela questão do desenvolvimento econômico e por sua política externa. Nós chamamos atenção para a outra face desse modelo de desenvolvimento econômico que vem acarretando muitas violações de direitos humanos, principalmente em relação às comunidades tradicionais, como quilombolas, povos indígenas, populações ribeirinhas que têm sido impactadas pelos megainvestimentos, pela construção de usinas hidrelétricas e rodovias, com a expansão do agronegócio com a monocultura”, destacou Sandra.
A decisão de premiar a brasileira, de acordo com a HRF, é um reconhecimento ao trabalho de Sandra no combate à violência policial e aos grupos de extermínio, na luta pela reforma agrária e na fiscalização aos abusos e crimes cometidos pelo Estado dentro do sistema prisional. Outro ponto do trabalho de Sandra destacado pela organização foi sua atuação nas denúncias contra a perseguição e a criminalização dos movimentos sociais e defensores de direitos humanos no Brasil.
A brasileira ainda demonstrou em Nova York preocupação com as Olimpíadas de 2016 que serão realizadas no Rio de Janeiro. “O Rio de Janeiro ao longos dos últimos três anos tem vivido as incursões violentas da polícia nas mega operações. A reação da polícia tem sido de vingança. Não só no Rio, mas como vimos também em maio de 2006 em São Paulo. A situação do Rio e a sua imagem não vai mudar se não mudar a forma com que a política de segurança é pensada e desenvolvida. A forma como o Estado olha para as comunidades pobres do Rio de Janeiro e a forma como ele age nessas comunidades só contribui para o aumento da violência e para o aumento dos índices de homicídios”, criticou.
Outra crítica à política de segurança implementada no Rio de Janeiro diz respeito às ações que contam com presença das polícias nas comunidades pobres. “O olhar do poder público para essas comunidades continua sendo criminalizador da pobreza. Continua sendo o olhar de vigilantismo de uma população que precisa ser contida e reprimida”, destacou.
A HRF, organização de direitos humanos fundada em 1978, destacou ainda, ao anunciar a premiação, as diversas ameaças de morte endereçadas a Sandra desde o início de sua militância na década de 1990, quando ainda era estudante de ciências sociais e trabalhava como pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) e como estagiária da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos (CTV). Nessa época Sandra se destacou no caso do Cemitério Dom Bosco, em Perus, na cidade de São Paulo, onde foram encontradas ossadas de presos políticos em uma vala comum.
Em 1992, Sandra integrou a comissão que entrou no presídio do Carandiru logo após a chacina de 111 presos e constatou as evidências de que havia ocorrido um massacre. Sua atuação foi fundamental para impedir a descaracterização do cenário do crime e garantir a presença da perícia técnica. A partir de então, Sandra se especializou na área de segurança pública e voltou seu trabalho no NEV para a reforma das polícias e do sistema penitenciário brasileiro. Em 1993, já era coordenadora executiva da CTV.
Durante toda a década de 1990, em São Paulo, Sandra Carvalho focou seu trabalho na fiscalização de crimes e abusos cometidos por policiais. Ela denunciou grupos de extermínio, chacinas e locais utilizados para extorsão, tortura e desova de cadáveres. Como coordenadora executiva da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a brasileira atuou na onda de rebeliões na Febem, em 1999. No mesmo ano, ajudou a fundar a Justiça Global.
Atualmente, a Justiça Global atua em 13 estados. Além de se envolver com as questões de segurança pública, a organização trabalha para garantir proteção a defensores de direitos humanos que sofrem ameaças e a movimentos sociais criminalizados ou perseguidos.
(Envolverde/Agência Brasil)