Por Wladir Dupont
A jornalista e escritora mexicana Lydia Cacho sabe muito bem que prêmios ao desempenho profissional são simbólicos, não solucionam problemas nem impulsionam mudanças drásticas. Podem, porém – ego satisfeito à parte –, em determinados momentos servir de mais um alerta aos governantes de um país em relação a certas situações internas conflitivas que já chegaram ao limite.
Será o caso de Lydia, 46 anos, ativista de direitos humanos, colunista do prestigioso jornal El Universal, que acaba de ganhar mais um prêmio, o Humanitário Rauol Wallenberg (diplomata sueco que salvou milhares de judeus do Holocausto), concedido pela Universidade de Michigan.
De fato, o reconhecimento ao corajoso e meticuloso trabalho investigativo de Lydia chega na hora mais crítica do exercício da profissão jornalística no México, onde, desde 2000, foram assassinados 55 repórteres e comentaristas, além de oito desaparecidos.
No interior do país, com ênfase na fronteira norte com os EUA, redações são invadidas e depredadas, casas são metralhadas na madrugada, jornalistas são executados à luz do dia nas ruas e esquinas, não poucas vezes diante dos olhos apavorados de mulheres e filhos. O governo atribui 78% dos ataques a casos isolados e ao crime organizado, os chamados cartéis da droga, mas grupos defensores da liberdade de expressão creditam ao próprio sistema federal pelo menos 49% da culpa em todo esse quadro.
Com frequência, políticos, policiais e até juizes aparecem mancomunados ao narcotráfico na eliminação de jornalistas incômodos, que insistem em denunciar os estragos brutais deixados pela corrupção e pela droga, numa intricada e sinistra rede de poder absoluto, vicejada na mais descarada impunidade.
Por essas razões, a organização internacional Repórteres sem Fronteiras considera o México o país mais perigoso do mundo para o trabalho da imprensa, pois os profissionais, além de expostos além do necessário, não contam com o mínimo apoio das autoridades – as judiciárias incluídas – quando são vítimas. Feita a encenação inicial, na base do desgastado "vamos tomar as devidas providências para apurar os fatos", fica tudo por isso mesmo.
A sobrevivente
Lydia Cacho não se faz de mártir, mas na verdade é uma brava sobrevivente desse clima criminoso, vivendo em constante sobressalto, ameaçada de morte, vigiada nas ruas do badalado balneário de Cancún, onde mora, alvo permanente de mal-encarados à espreita. Mesmo nessa situação pessoal aflitiva, ela se recusa a buscar refúgio em outro país, preferindo continuar na sua missão, escrevendo e dando palestras sobre uma de suas especialidades – a defesa e proteção de mulheres maltratadas pelo machismo e crianças aviltadas pela pedofilia.
Para ela, tudo começou em 2005 quando publicou um livro explosivo, Demonios del Edén, no qual denunciava uma rede de pornografia infantil e prostituição a partir de Cancún, dirigida por dois empresários de origem libanesa aliados a políticos e policiais de vários estados.
Foi só o livro entrar em circulação e obter rápida repercussão nacional – para constrangimento do governo mexicano, que teve gente de alto nível envolvida no escândalo – e ela passou a receber ameaças físicas, processos na justiça, perseguições trabalhistas, culminando com uma detenção de algumas horas, quando suportou, impotente e assustada, além de uns trancos, abusos psicológicos nas mãos de policiais a mando de autoridades estaduais e os dois empresários acusados.
Sem medo dos poderosos
Depois de denunciar no México e em nível internacional os destratos de que foi vítima, ela apelou aos tribunais, mas até hoje não recebeu esclarecimentos convincentes e muito menos uma resolução decente do caso, sobretudo a origem autêntica dos mandantes. Mas nem as intermináveis ameaças desanimam a jornalista e escritora, que, sóbria nos seus desabafos, assim fechava uma de suas recentes colunas no El Universal:
"Como cidadã me toca não corromper e nem subornar, respeitar as regras e aos demais. Não me toca governar nem submeter-me a quem governa, mas ser responsável e exigir um bom governo sem medo da vingança dos poderosos. Nossos direitos civis não são mudos nem surdos nem mancos, têm vida e assumi-los tem um custo. Talvez o medo esteja em assumir esse custo."