Um novo estudo sobre a mortalidade de mães no Brasil revela que o risco de morrer por aborto é muito maior nas mulheres negras e pardas do que em grávidas brancas, o que leva especialistas a questionar se a criminalização do procedimento no País estaria punindo apenas alguns grupos raciais. Segundo o trabalho do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, apresentado durante o seminário “Mortalidade Materna e Direitos Humanos no Brasil”, o risco de morte de uma grávida negra cuja gestação terminou em aborto é 2,5 vezes maior do que o de grávidas brancas.
Nos últimos quatro anos o instituto vem se dedicando a radiografar o aborto no País e, depois de mostrar que sua frequência reflete as desigualdades – ocorrem mais entre mulheres negras e pobres –, foi investigar se havia também diferenças na mortalidade, considerando registros de 2003 a 2005. Os especialistas apontam que é possível que a descriminalização do aborto, se um dia aprovada no Brasil, reduza o índice de complicações e mortes – atualmente o aborto é crime e só é permitido em caso de estupro ou risco de morte para a mãe.
“As mulheres negras são mais vulneráveis. Não têm recursos para ir a clínicas clandestinas e usam métodos perigosos de aborto, que aumentam os riscos de complicações”, destaca o pesquisador Mário Monteiro, um dos autores do trabalho. “Os resultados nos fazem refletir que a criminalização do aborto está condenando mulheres negras à morte”, diz Margareth Arilha, diretora executiva da Comissão de Cidadania e Reprodução do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, realizadora do seminário.
Segundo Monteiro, observa-se que mulheres negras têm o dobro de risco de morrer do que mulheres brancas, se consideradas todas as causas de mortalidade. Para mortes por hipertensão, principal causa de mortes maternas no País, por exemplo, o risco é 2,8 vezes maior.
O evento, que terminou ontem, Dia de Combate à Mortalidade Materna, assinalou que os índices de mortes maternas estabilizaram nos últimos anos, o que não pode ser comemorado. A taxa atual no Brasil é de 55,1 por 100 mil nascidos vivos. Foram 1.623 óbitos maternos em 2006. Segundo Rui Laurenti, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, é possível que um aumento das notificações, aliado à redução de casos em alguns locais, seja a explicação para a estabilidade, mas são necessários mais estudos. O evento enfatizou ainda as dificuldades para se atingir as metas do milênio para a área, de redução em 75% das taxas entre 1990 e 2015. No País, entre 1997 e 2005, a taxa caiu 13%.
Margareth destacou que a CCR vai investigar com prioridade as mortes maternas de 16 meninas entre 10 e 14 anos em 2006 – nessa faixa, as relações sexuais são fruto de violência e, além disso, as garotas engravidaram e as gestações terminaram em morte. Os especialistas defenderam ainda uma revisão dos trabalhos dos comitês de investigação de mortes maternas, com mais transparência. “É preciso que as mortes sejam divulgadas”, diz a diretora.
Nota: CCR disponibiliza a apresentação deste estudo e todos os outros apresentados a 27/05, em Seminário Mortalidade Materna e Direitos Humanos no Brasil.
Fonte: CCR com texto por Fabiane Leite Estado.com.br (29/5/2009)
extraído de: www.cfemea.org.br