A lei que combate a violência contra a mulher trouxe avanços, mas o crime continua a ocorrer. Especialistas defendem não apenas a punição, como o atendimento aos agressores para evitar a reincidência
- Luísa Medeiros – Correio Braziliense
Daniel Ferreira/CB/D.A Press – 17/7/06 |
Abrigo para mulheres agredidas por seus companheiros: 70% dos casos de violência ocorrem dentro de casa |
Criada para combater a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha completa três anos amanhã. Os números mostram que, apesar do conhecimento nacional sobre a legislação que, entre outras medidas, respalda a prisão em flagrante do agressor, o crime continua a ocorrer. O Distrito Federal ainda é o recordista no número de ligações feitas ao telefone 180, que recebe denúncias de agressões contra a mulher em todo o país. Ceilândia é a cidade do DF onde há mais registros nas delegacias de polícia. Taguatinga e Brasília vêm em seguida, repetindo o ranking de 2008. Os crimes contra a mulher são cometidos, em 70% dos casos, em casa pelo marido ou companheiro da vítima. Na maioria das vezes, as histórias se parecem. Brigas por ciúme, uso de drogas ou álcool, falta ou excesso de dinheiro podem criar um ambiente de agressões verbais e físicas.
A vigilante e cobradora de ônibus Ana (nome fictício), 30 anos, fugiu de casa nesta semana depois de mais de 14 anos de maus-tratos, tempo em que esteve casada com Julião (nome fictício), 32. As discussões constantes fizeram a moradora de Ceilândia, bater à porta da Casa Abrigo com os três filhos. O local, cujo endereço é mantido em sigilo pela Secretaria de Justiça do DF (Sejus), recebe mulheres sem ter aonde ir quando a situação em casa extrapola qualquer limite. Ana foi para lá por temer as ameaças de morte feitas por Julião. “Já fiquei dois dias trancada com as crianças passando fome, já levei socos e pontapés. Por anos, vivi nessa situação porque gostava dele, mas depois que as ameaças de morte começaram, fiquei com medo”, relata.
Deijaci Lima de Sousa, 31, não escapou do agressor. Ela morreu na última segunda-feira após ser baleada pelo marido, em Vicente Pires. O 1º tenente da Polícia Militar Iege Rodrigues Lima, 39, teria disparado contra a mulher depois de uma discussão. Na terça-feira, Lima se apresentou ao 2º BPM. Ontem, a arma usada no homicídio foi entregue à Polícia Civil.
Falta análise
A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres não justifica por que o Distrito Federal permanece no topo do ranking dos atendimentos em 2008 pelo Disque 180, no exame proporcional à população feminina. O órgão não analisa se no DF ocorre mais violência contra a mulher ou se as brasilienses conhecem a lei e, portanto, denunciam mais. “A falta de um sistema nacional e integrado de coleta de dados é responsável pela escassez das respostas e pelas diversas interpretações sobre os números”, acredita a assessora de Direitos Humanos do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cefemea), Myllena Calasans.
Quanto ao fato de Ceilândia liderar as ocorrências em delegacias no DF (veja quadro), a coordenadora de Assuntos da Mulher da Sejus, Valéria de Sousa Rocha, lembra que a cidade é a maior da capital. Valéria ressalta que em áreas de alta renda, como os lagos Sul e Norte, os crimes ocorrem: “A violência doméstica não escolhe classe social nem cor”.
Os agressores também devem ser atendidos como vítimas, defende Valéria Rocha. “Mesmo que a mulher não volte a morar com o agressor, ele terá nova família e poderá cometer o crime de novo.” E o crime geralmente ocorre em casa. Dos 1.288 registros no Programa de Atendimento à Vítima de Violência (Pro-vítima) da Sejus, de abril a julho deste ano, 58% foram de agressão doméstica. “Tivemos 106 ocorrências de homicídio e 744 de violência doméstica”, diz Valéria Velasco, coordenadora do Pró-vítima.
Quem é?
A farmacêutica cearense Maria da Penha Maia sofreu agressões pelo marido por vários anos e duas tentativas de homicídio em 1983. Na primeira, ficou paraplégica. Após ela voltar para casa de cadeira de rodas, o marido tentou eletrocurá-la. O homem só foi punido após 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado.
O que diz a lei
A Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, estabelece mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A legislação criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterou o Código Penal brasileiro, possibilitando que os agressores possam ser presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. O artigo 5 do texto configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano material ou patrimonial.
Tristes estatísticas
Em todas as delegacias do DF, de janeiro a maio deste ano, foram registradas 8.621 ocorrências de violência contra a mulher. Só na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), houve 1.122 registros:
Tipo de crime – Ocorrências
Lesão corporal dolosa 2.411
Lesão corporal doméstica 743
Injúria 2.729
Ameaça 2.109
Difamação 251
Calúnia 164
Maus-tratos 119
Tentati
va de homicídio 65
Homicídio 30
Por cidade
(janeiro a maio de 2009):
Ceilândia 1.418
Taguatinga 794
Brasília 731
Planaltina 663
Samambaia 532
Gama 486
Santa Maria 446
Guará 431
Recanto das Emas 378
Sobradinho 321
São Sebastião 291
Sobradinho II 245
Águas Claras 243
Brazlândia 215
Itapoã 198
Estrutural 191
Paranoá 173
Riacho Fundo 133
Núcleo Bandeirante 132
Riacho Fundo II 91
Lago Sul 76
Candagolândia 72
Cruzeiro 71
Lago Norte 61
Varjão do Torto 56
Sudoeste 55
SIA 45
Park Way 39
Jardim Botânico 34
Entrevista – Ministra Nilcéia Freire
“Acredito que o sentimento de impunidade está diminuindo”
Carlos Moura/CB/D.A Press – 10/3/08 |
A titular da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, divulga hoje o balanço nacional da Central de Atendimentos à Mulher, o Disque 180. O serviço, que atende vítimas de todo o Brasil, teve um aumento no número de atendimentos no primeiro semestre de 2009 de mais de um terço em relação ao mesmo período do ano passado. Cerca de 45% desses atendimentos se referem a pedidos de informações sobre a Lei Maria da Penha. O Distrito Federal continua como recordista em ligações no país, segundo a análise proporcional à população feminina da unidade da Federação. Hoje será lançado o Prêmio Boas Práticas na Aplicação, Divulgação ou Implementação da Lei Maria da Penha para estimular a correta aplicação da legislação.
Como está a aplicação da Lei Maria da Penha nos estados?
Não é uniforme. Nem todos os tribunais criaram os juizados ao mesmo tempo, há diferentes interpretações de juizes de primeira instância sobre a legislação, mas, mas, à medida que o tempo passa, há uma tendência de se consolidar a interpretação e a aplicação da lei.
As mulheres estão denunciando mais a violência?
Houve um aumento de 32% nos atendimentos no disque-denúncia. Há mais conhecimento das pessoas sobre esse serviço.
A criação da lei afastou o agressor?
O nível de reincidência e a repetição do delito diminuíram. O agressor sabe que é crime e que tem uma lei que está sendo aplicada. Ele pensa duas vezes antes de cometer a violência. Acredito que o sentimento de impunidade está diminuindo e considero isso o grande benefício da lei.
Há alguns questionamentos sobre a lei na Justiça, sobre sua constitucionalidade e se o processo deve continuar mesmo se a vítima retirar a queixa. Qual é a posicionamento da secretaria quanto a isso?
No fim de 2007, o governo entrou no Supremo Tribunal Federal com ação declaratória de constitucionalidade da lei. O ministro Marco Aurélio de Melo garantiu que o julgamento ocorrerá neste semestre. Sobre a outra questão, entendemos que o processo deve continuar. Isso resguarda a vítima que pode sofrer pressões para desistir de denunciar.
Em três anos da Lei Maria da Penha, que balanço a senhora faz?
A existência da Lei Maria da Penha é um avanço na legislação do pais. A lei está valendo e é a mais conhecida pela população, segundo pesquisa recente do Ibope. Devido a ela, implantamos em 17 estados do Brasil e no DF o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher.
Procure ajuda
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
3442-8978 ou 3442-8976
Programa de Atendimento à
Vítima da Violência (Pró-vítima)
3905-7152, 3905-1434,
3905-1423 ou 3905-4299
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)
3224-1791
Associação das Mulheres Empreendedoras (AME)
3463-3556
Núcleo de Atendimento a Família e Autores de Violência Doméstica
3322-2266
Pela internet:
» www.mariadapenha.org.br
» www.amedf.org.br
» www.provitima.blogsopot.com
» www.cfemea.org.br