Reforma eleitoral não mexe na estrutura de poder elitista, racista e patriarcal do sistema político brasileiro
A reforma eleitoral que vai à votação no Congresso Nacional esta semana mantém inalterada a estrutura de poder do sistema político brasileiro, hoje sob comando de uma elite dominante branca, masculina e proprietária da terra e dos grandes meios de produção e comunicação. A proposta mantém fora do sistema eleitoral as mulheres, a população negra e outros segmentos sociais historicamente excluídos dos espaços institucionais de poder.
Se aprovada, a reforma passa a valer já nas eleições de 2010, mudando dispositivos da Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97) que não alteram as correlações de força que definem a ocupações dos cargos eleitorais. A proposta foi articulada por um grupo de parlamentares designados pelo presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer e liderados pelo deputado Flávio Dino (PCdoB-MA).
A produção deste grupo é um remendo de mudanças superficiais que não compõem uma reforma política de verdade, mas sim uma reforma eleitoral bastante limitada: não considera as demandas dos movimentos sociais sobre alguns dos problemas no sistema de votação, como a sub-representação das mulheres; a forma de financiamento das campanhas; o desvirtuamento da representação proporcional no que se refere a representação federativa; a exclusão dos espaços de poder provocada pelo racismo. A proposta de incluir o critério raça/cor nas fichas de candidatura do TSE (para gerar dados sobre a participação de negras(os) e indígenas nas eleições), assim como a punição para partidos que não cumprirem as “ações afirmativas”, também foi totalmente rejeitada pelo grupo.
Vergonhosamente, a reforma que irá ao Plenário não tem como objetivo ampliar a democracia representativa, mas somente “reduzir gastos de campanha” e regulamentar procedimentos já realizados pela Justiça Eleitoral. O Congresso votará, por exemplo, a liberação do uso da internet para as campanhas; a mudança no tempo de propaganda no rádio e na TV destinada aos senadores; a liberação de pré-campanhas e o tamanho de faixas e placas. Ou seja, questões que não interferem nas estruturas de poder que regem o sistema eleitoral vigente.
Este “arremedo” de reforma que resultou das negociações entre os partidos demonstram o conservadorismo, o elitismo político e a falta de disposição do Congresso para efetivamente fazer tramitar uma proposta ampla de reforma política. Deixam explícitos, sobretudo, o machismo e o racismo que organizam e estruturam os lugares de poder na sociedade, no Congresso e nos demais espaços de representação política no país.
No Brasil, a representação das mulheres é ínfima e vergonhosa: temos apenas 46 deputadas federais (9% do total), o que nos coloca em 107º lugar de um ranking mundial de 138 posições construído pela União Inter-Parlamentar (maio/09). Este número impressiona ao compararmos a posição de outros países: Argentina – 40%; Peru – 27,5%; Venezuela – 18,6% e Paraguai – 12,5%. O Brasil, nas Américas, fica à frente somente de Colômbia, Haiti e Belize.
Lamentavelmente, não há dados oficiais sobre a participação de mulheres e homens negras(os) na Câmara dos Deputados, mas dados divulgados no Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008 (UFRJ) apontam que há somente 10 deputados negros (1,9%) e uma deputada negra (0,1%). A perduração desta situação é inaceitável do ponto de vista dos princípios democráticos e de justiça de gênero e de raça/etnia. Por isso, é vergonhoso que o Congresso Nacional se detenha a uma reforma eleitoral que apenas faz ajustes ao jogo político, sem mudar as regras e as relações de poder.
As “ações afirmativas” para mulheres propostas no PL se restringem à reserva de parte do tempo de propaganda política (20%) e do fundo de campanha (10%), sendo que partidos como o DEM pretendem diminuir esse percentual. Essas propostas, se aprovadas, não significarão nada se não vierem acompanhadas de mudanças estruturais, como a reserva de vagas no próprio parlamento (e não em candidaturas) ou a lista fechada pré-ordenada com alternância paritária de sexo, o financiamento público exclusivo de campanha e a fidelidade partidária. Só assim nós mulheres alcançaremos patamares de representação compatíveis com nossa participação na sociedade.
Mas não nos interessa a inclusão na ordem já posta. Queremos uma Reforma Política que transforme as relações que estruturam o sistema político brasileiro: o patrimonialismo e o patriarcado a ele associado; o clientelismo e o nepotismo; o populismo e o personalismo, que eliminam os princípios éticos e democráticos da política; as oligarquias, escoltadas pela corrupção e sustentadas em múltiplas formas de exclusão (o racismo, o etnocentrismo, o machismo, a homofobia).
Nós, da Articulação de Mulheres Brasileiras, demandamos uma reforma ampla, que abarque todos os espaços da vida política (Estado, partidos, sociedade), com vistas a democratizar as instituições representativas, regulamentar manifestações da soberania popular, viabilizar plebiscitos e referendos, estimular o controle social e a participação cidadã e alargar os espaços públicos de debate. Queremos mais que participar. Queremos radicalizar a democracia, superar as desigualdades sociais e econômicas e acabar com a injustiça de gênero, de raça e de classe. Queremos e ousamos transformar o mundo pelo feminismo!
A Articulação de Mulheres Brasileiras agradece ao CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria e ao MDG3 Fund, que viabilizaram esta publicação.
Brasília, junho de 2009