Ruth de Aquino – revista Época
Agora foi a vez de um cardeal espanhol minimizar a gravidade do crime de estupro. Milhares de crianças sofreram abusos e violências sexuais nas mãos de padres e freiras na Irlanda entre os anos 1930 e 1990. Foi uma história de horror ainda não revelada completamente, por resistência da Igreja Católica irlandesa. Na quinta-feira passada, o cardeal Antonio Cañizares, da Espanha, condenou os estupros mas disse que eles são menos graves que o aborto.
É inadmissível que um representante da alta hierarquia da Igreja faça esse tipo de comparação sem nexo publicamente, numa entrevista para a televisão. É uma observação cruel diante de adultos que, quando crianças e adolescentes, sofreram calados repetidos episódios de violência sexual. Muitos que, hoje, voltam à Irlanda para contar pessoalmente o que sofreram, ao saber do relatório de 2.575 páginas.
Faz lembrar o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, e o drama de Alagoinha, no interior de Pernambuco. O arcebispo brasileiro defendeu a excomunhão dos médicos e da mãe de uma menina de 9 anos (foto). Estuprada pelo padrasto e grávida de gêmeos, foi levada pela mãe ao hospital para ser submetida, de acordo com a lei brasileira, a uma cirurgia de aborto. Dom José achava que o padrasto não deveria ser excomungado. Para ele, o crime grave era o aborto. Nada mais importava, nem mesmo a saúde mental e física da menina, ou se ela sobreviveria a uma gravidez de risco com apenas 9 anos. Foi desautorizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB.
O pior é que tanto o arcebispo brasileiro quanto o cardeal espanhol devem ter expressado a opinião velada de muitos religiosos.
Cañizares admitiu que os abusos às crianças são “condutas totalmente condenáveis” e que se deve pedir perdão. (Só perdão?) Mas disse que os estupros são incomparavelmente menos graves que “as mais de 40 milhões de vidas destruídas legalmente pelo aborto”. A ministra da Saúde e Política Social da Espanha, Trinidad Jiménez, pediu retratação e disse que a afirmação do ministro foi “irresponsável”.
Para a Igreja, a mulher que faz um aborto é uma assassina. Não importam as circunstâncias, o risco ou o motivo. O assunto é polêmico, porque envolve valores morais e políticas de saúde pública – um tema tratado, em muitos países, com hipocrisia. Como, por exemplo, no Brasil, que pune somente as mulheres pobres com risco de prisão e morte.
Ninguém costuma ser favorável ao aborto, mas ao direito ao aborto. Escrevi um artigo chamado O aborto dos outros, com base num documentário que me emocionou muito. Foi publicado na revista EPOCA. Se quiserem ler, cliquem no título.
Mas, a pergunta que cabe aqui, no Blog Mulher 7×7, é: não deveriam ser punidos e repreendidos os representantes da Igreja que minimizam publicamente a gravidade do crime de estupro, ao compará-lo ao aborto legal? Não estariam arcebispos e cardeais passando a mão na cabeça de religiosos que durante décadas se aproveitaram de uma posição de poder e confiança para seviciar e espancar crianças órfãs e carentes que estavam sob sua custódia e proteção?
Cadê os nomes dos criminosos – que não estão sendo divulgados por conta de ação judicial de uma das ordens acusadas, a Christian Brothers? Onde estão, nesse momento, as leis da Igreja? Qual será a punição para seus pecados? O que fará o Vaticano, meu Deus?
Veredicto da Igreja: “Abusos sexuais são menos graves que aborto”
5 de junho de 2009 – Jornal Causa Operária (www.pco.org.br/conoticias)
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