Clarissa Pont – Carta Maior
Susan George repetiu em Salvador o alerta lançado em Porto Alegre: não basta enfrentar a atual crise do capital sem lidar com a degradação do meio ambiente, a grave escassez de comida e as desigualdades sociais. A depressão econômica, disse, está diretamente ligada a múltiplas crises que se agravam nos campos ecológico e social. Na mesma linha, David Harvey afirmou que, mesmo com a crise, um novo processo de acumulação de capital está sendo gerado, que pode fortalecer o atual modelo e levar a uma nova crise ainda pior. A única saída, afirma Susan, é afirmar que “a crise é deles, mas as soluções são nossas”.
Escutar Susan George nunca é reconfortante. Coisa que, nesta altura do campeonato, é essencial para sacudir convicções, como a de que a última crise do capital tenha comprovado que estávamos todos certos no FSM (e eles errados no frio de Davos) e que, a partir de agora, o capitalismo se afundará por si. “Ficou claro que o neoliberalismo não funciona. Os bancos sequer existiriam ainda, não fosse pelos governos, o que significa que eles sequer estariam aqui, não fosse por nós. Este tipo de economia só permanece se permitirmos. E iremos de uma bolha para a próxima até que, em alguns anos, exploda a próxima que pode ser de inflação, de quebra do Estado, não sabemos”, grifou Susan durante conferência de abertura do Fórum Social Temático Bahia na noite desta sexta-feira (29) no Teatro Castro Alves, em Salvador. Apesar de pintar um cenário sombrio que cresce como uma bola de neve, Susan afirma acreditar no processo do FSM como uma das saídas para a crise.
“A cada ano, a revista Forbes publica uma lista dos milionários do mundo. Sabe como isso funciona? Vamos dizer que você tenha apenas um bilhão de dólares e invista 6%. Você vai ter de gastar todos os dias da sua vida 137 mil dólares porque se não o fizer ficará automaticamente mais rico, dia a dia. Isso é a riqueza”, disse. Do outro lado, Susan lembrou que, segundo organismos internacionais, cerca de US$ 1 bilhão de pessoas passam fome hoje e que dentro de alguns poucos anos sofrerão mais com a progressiva escassez de água potável que os cientistas podem prever. "Veremos coisas ainda mais graves, que antes nem se imaginavam, como o surgimento dos refugiados ecológicos", alertou.
O ponto de virada
“O que estamos vivendo não é uma crise, porque uma crise é um ponto de virada que demanda decisão. Se você esta muito doente, pode morrer ou se recuperar. Isso é uma crise, mas nós não estamos nessa situação. Nós estamos em um processo crônico que vem acontecendo há anos”, disse. Segundo Susan, um dos pontos altos deste processo foi o que ela chama de Catástrofe de Copenhague – cujo resultado trouxe péssimas perspectivas para a raça humana – e duas reuniões do G-20 “pavorosamente convencionais”, cujo claro objetivo era voltar ao modo de negociação anterior, no menor tempo possível. A solução do G-20 consistiu em salvar o FMI da extinção oferecendo o equivalente a $750 bilhões em dinheiro de contribuintes sem impor absolutamente nenhuma condição.
Enquanto isso, afirma Susan, os bancos, ressuscitados por seus respectivos governos voltaram imediatamente ao seu antigo modo de operação. Os trilhões em dinheiro de contribuintes foram devolvidos, mas isso não significa que alguma coisa mudará para melhor. O sistema bancário dos Estados Unidos gastou mais de cinco bilhões de dólares fazendo lobby para se livrar de uma dúzia de regulamentações e, segundo ela, a crise financeira foi justamente o resultado direto destes esforços e os bancos, entretanto, vão muito bem, obrigado. Em novembro de 2009, o Goldman Sachs angariou $100 milhões por dia, exemplificou.
Nem tudo está perdido, as possibilidades que saem do Fórum podem ser úteis nos dias que passam, disse Susan. “Nós vamos nacionalizar, ou eu prefiro socializar, os bancos. Digam em alta voz ‘os bancos são nossos’. Isso soa muito bem. Eles são nossos porque pagamos por eles. Um banco deveria ser um bem publico e trabalhar a favor da sociedade, o crédito deveria ser um bem comum. Que não esperemos outra guerra para sair às ruas como fizemos em 2003, quando da invasão do Iraque. Nós devemos estar todos juntos todos porque, por favor lembrem-se disso, a crise é deles, mas as soluções são nossas”, concluiu sob uma salva de palmas que se escutou em Salvador a cada vez que a máxima da reformulação do sistema bancário era repetida por aqui.
Salvador se solidifica como cidade do Fórum Social Mundial 2013
Ainda durante a cerimônia oficial de abertura do Fórum Social Mundial Temático Bahia, o governador Jaques Wagner anunciou o desejo de que a cidade de Salvador sedie a próxima edição centralizada do FSM. Com debates profundos e análises consistentes, graças à inegável participação do Seminário Crise e Oportunidade trazido de Vitória para Salvador, a cidade vem comprovando poder de organização para um evento como o Fórum. O FSM – BA teve, até agora mais de 10 mil inscritos e 100 atividades espalhadas desde o Rio Vermelho até o Pelourinho, passando pelo Farol da Barra.
“Fica aqui o convite do governador. Ninguém sabe quem será o próximo, mas que em 2013 o Fórum Social Mundial aconteça aqui nessa primeira capital, nessa terra mãe do Brasil. Nós, que combatemos o bom combate, que resistimos nos anos de chumbo do pensamento único, estamos aproveitando para debatermos o que queremos do planeta. Reafirmemos a frase que cunha o Fórum: Outro mundo é possível”, disse Wagner antes da conferência de Susan George.
Mesmo sem a presença de Lula, o evento que substitui o encontro dos movimentos sociais com o presidente lotou o Hotel Pestana e reuniu autoridades. O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, esteve neste sábado na mesa Diálogos e Controvérsias entre Atores Sociais e Representante do Governo Brasileiro. Após crise hipertensiva, o presidente Lula, teve sua agenda de fim de semana cancelada e não pode participar do encontro em Salvador.